Parece
estranho este título “rasgar o coração, e não as vestes” porque o ato de rasgar
“as vestes” é um costume do Antigo Testamento, e não nosso. Esta prática
representava o desespero diante de algumas situações. Por exemplo, quando os
pais perdiam um filho era comum rasgar as vestes em sinal de representar a
desgraça que estavam vivendo. Hoje, nós não rasgamos as vestes, mas, em alguns
velórios e funerais os parentes enlutados choram ao ponto de gritar de
desespero diante da morte de um ente querido.
Com
o passar dos anos, esta prática de rasgar as vestes, no Antigo Testamento,
tornou-se um ritual que demonstrava piedade diante do povo. Aquele que rasgasse
suas roupas diante de uma situação desesperadora se apresentava como alguém
sensível a mão poderosa do Senhor e a Sua vontade. Talvez porque o rasgar as
vestes estava acompanhado de vestir-se de “pano de saco”, para demonstrar uma
atitude de humilhação, e do jejum. Jacó quando soube da provável morte de José relatada
pelos seus outros filhos, rasgou suas vestes (Gn 37.34).
No período de Neemias, o povo para demonstrar sua
humilhação diante de Deus, a fim de voltar a firmar uma aliança de obediência
ao Senhor, tomara a seguinte atitude: “No dia vinte e quatro deste mês, se
ajuntaram os filhos de Israel com jejum e pano de saco e traziam terra sobre si”
(Ne 9.1). Observa-se que o ato de “rasgar as vestes” estava implícito no
“vestir o pano de saco”, e que o jejum acompanhava esta tradição referente ao lamento
e à humilhação.
No entanto, esta bela tradição tomou um rumo estranho,
como relata o profeta Joel: “Rasgai o
vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus,
porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em
benignidade, e se arrepende do mal” (Jl 2.13).
O perigo de uma tradição, ou um símbolo, é perder seu
sentido e ser esvaziada do significado que carrega. No momento em que “rasgar
as vestes” não mais representava a ação de piedade diante das adversidades e a
dependência do Senhor, mas, ao invés disso, traduzia a posição de prestígio diante
de um grupo social religioso, a tradição perdia sua relevância para o povo de
Deus.
Isso aconteceu com o Israel exilado em Susã, no período
de Ester: “Em todas as províncias aonde
chegava a palavra do rei e a sua lei, havia entre os judeus grande luto, com
jejum, e choro, e lamentação; e muitos se deitavam em pano de saco e em cinza”
(Et 4.3). Este livro é conhecido por não ter o nome de Deus e nem fazer menção
ao Senhor. Mesmo que tenham jejuado, chorado e lamentado, entendemos que estes
judeus eram como muitos são hoje: cheios de tradição religiosa, mas sem o
Senhor. A ausência do nome de Deus nesta obra literariamente representa a
ausência de Deus na vida deste povo.
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