quinta-feira, 2 de junho de 2011

O PROFETA INCONVENIENTE

“Há um ainda, por quem podemos consultar o SENHOR; porém eu o aborreço, porque nunca profetiza de mim o que é bom, mas somente o que é mau” (2 Cr 18.7).


É natural do ser humano, principalmente na atual conjuntura, ouvir somente o que lhe agrada. As amizades são construídas neste formato. Se alguém diz o que eu gosto, concordo, ou me agrada, então, esse é meu amigo. É fato que esta é a normalidade dos relacionamentos de uma sociedade corrupta em todos os seus aspectos.

No Antigo Testamento, havia um grupo de indivíduos que não diziam o que agradava os homens. Não dá para falar de todos, mas podemos representar os profetas na pessoa de Micaías. Sua história é emblemática sobre o desejo de ouvir somente o que nos agrada, mesmo quando se refere a acariciar o nosso próprio pecado.

O rei de Israel, na época, era Acabe. Ele queria aliar-se com Josafá, rei de Judá, para a batalha em Ramote-Gileade. Como de costume, o rei desejava saber qual a vontade de Deus para a guerra; se venceria ou perderia a batalha. O rei Acabe não temia a Deus, enquanto Josafá, rei de Judá possuía um relacionamento próximo do Senhor.

Quando Acabe propõe aliança, Josafá o interpela: “Consulta, primeiro, a palavra do SENHOR” (2 Cr 18.4). Isto implicava consultar os profetas. Contextualizando, hoje, fazemos muito parecido com Acabe. Formulamos planos e projetos, fazemos alianças e especulações, mas não consultamos a Palavra de Deus. Josafá realmente estava em comunhão com o Senhor. Ele não queria dar um passo sem a aprovação de Deus.

Acabe, interessado na aliança política, de pronto, arrumou quatrocentos profetas. Será que eram do Senhor ou de Baal, visto que sua mulher, Jezabel, matara os profetas do Senhor? Bem, esta é outra questão. Estes quatrocentos profetas disseram: “Sobe, porque Deus a entregará nas mãos do rei” (2 Cr 18.6a).

Quatrocentos profetas dizendo a mesma mensagem, profetizando bênçãos! Que maravilha! Quem duvidaria de tal profecia? Minha intenção não é julgar, mas este episódio lembra muito os grupos que invocam a “bênção” a todo custo, sem enxergar a verdade. Eles creem nestas bênçãos, mesmo sem averiguar se estão de acordo com a revelação de Deus.

Quem duvidaria de quatrocentos profetas proclamando bênçãos de vitória? Ninguém; a não ser Josafá que disse, instantaneamente: “Não há, aqui, ainda algum profeta do SENHOR, para o consultarmos?” (2 Cr 18.6b). “Poxa, eu trouxe quatrocentos! Um a mais vai fazer a diferença?” – talvez tenha pensado Acabe, no seu desejo político de consumar a aliança a todo custo. Mas, para Josafá fazia toda a diferença!

Como Acabe queria muito o acordo político respondeu a Josafá: “Há um ainda, por quem podemos consultar o SENHOR; porém eu o aborreço, porque nunca profetiza de mim o que é bom, mas somente o que é mau” (2 Cr 18.7). Este profeta era Micaías. Era comum ele profetizar somente o mau em relação ao rei Acabe. Normalmente, ligamos o rei Acabe e sua esposa Jezabel ao profeta Elias. Mas, não foi somente Elias quem confrontou este rei de Israel. Deus lhe enviou vários servos, observamos aqui ao menos dois, para ensiná-lo a verdade divina. Porém, ele não abriu seu ser para a conversão.
Acabe somente enxergava aspectos positivos. Ele queria apenas elogios, enquanto as críticas deveriam ser punidas. Você recorda da atitude infantil deste rei diante de Nabote? O esposo de Jezabel, como deveria ser conhecido em sua época, queria comprar a vinha de Nabote, mas este não queria vendê-la. Acabe “chorou”: “Então, Acabe veio desgostoso e indignado para sua casa, por causa da palavra que Nabote, o jezreelita, lhe falara, quando disse: Não te darei a herança de meus pais. E deitou-se na sua cama, voltou o rosto e não comeu pão” (1 Rs 21.4). Será que somos da descendência de Acabe? A genética das ações é muito parecida! O pregador em um sermão nem precisa se esforçar muito para fazer este paralelismo, no momento da aplicação. Nossa geração, realmente, é “acabiana”. Mas, graças a Deus pelos profetas como Micaías!

Não podemos negar, realmente Acabe estava certo em relação a Micaías: “Então, o rei de Israel disse a Josafá: Não te disse eu que ele não profetiza a meu respeito o que é bom, mas somente o que é mau?” (2 Cr 18.17). A mensagem de Micaías era simples: “Vi todo o Israel disperso pelos montes, como ovelhas que não têm pastor; e disse o SENHOR: Estes não têm dono; torne cada um em paz para sua casa” (2 Cr 18.16). Mas, a mensagem dos quatrocentos profetas de Acabe era dramatizada e sofisticada para a época. Zedequias, filho de Quenaana, usou até chifres de ferro ao profetizar. O ferro era um elemento da alta tecnologia nessa época. E, assim, ele ilustrou o rei escorneando os siros e os destruindo.

A princípio Micaías foi irônico, como se conclui destes versos:

“E, vindo ele ao rei, este lhe perguntou: Micaías, iremos a Ramote-Gileade, à peleja, ou deixarei de ir? Ele respondeu: Sobe e triunfarás, porque eles serão entregues nas vossas mãos” (2 Cr 18.14).

Onde está a ironia? Na reação do rei Acabe: “O rei lhe disse: Quantas vezes te conjurarei que não me fales senão a verdade em nome do SENHOR?” (2 Cr 18.15). Parece ilógico este comentário, visto que o rei queria exatamente a resposta positiva ao acordo político e à guerra contra os siros. Penso que a explicação está na ironia da voz de Micaías ao profetizar, que não fica tão bem registrada pela limitação inerente da linguagem escrita. Acabe ficou tão indignado com esse ato que foi como se ele dissesse: “Conte logo a verdade? Deixe de enrolação!”

As pressões sobre o profeta Micaías foram muitas e intensas para que ele não pregasse a vontade de Deus. Uma delas foi o “pragmatismo”. “Mas, eu pensava que isso era coisa da pós-modernidade?”. Porém, é algo bem antigo, somente a designação que é nova. Após os quatrocentos profetas de Acabe falarem, inclusive aquele dos chifres de ferro, a apoteose do evento, chegou a vez de Micaías. Antes, porém, de ele profetizar, recebeu um conselho relâmpago (daqueles que não dá para pensar, se não estiver firme no Senhor cai mesmo):

“Eis que as palavras dos profetas, a uma voz, predizem coisas boas para o rei; seja, pois, a tua palavra como a palavra de um deles, e fala o que é bom” (2 Cr 18.12).

Este mensageiro foi pragmático em seu discurso: “Já que todos dizem coisas boas que o seu resultado, ao profetizar também faça o mesmo, porque senão vai dar problema! Afinal de contas o rei quer este acordo aprovado hoje!” A fim de facilitarmos o serviço na igreja, e para nossa vida, somos pragmáticos. Queremos aquilo que funciona e é mais prático. Porém, nem sempre é assim que Deus quer. Ao menos com Micaías não fora desta forma!

O profeta comprometido com a verdade de Deus pagou o preço. Primeiro levou uma bofetada de Zedequias, filho de Quenaana (acho que esse cara queria se promover). Depois foi levado para a prisão. Mas, antes de ir, deixou sua mensagem: “Disse Micaías: Se voltares em paz, não falou o SENHOR, na verdade, por mim. Disse mais: Ouvi isto, vós, todos os povos!” (2 Cr 18.27). Ou seja, contra fatos não há argumentos! Acabe tentou driblar Deus, indo disfarçado para a peleja, mas o “acaso” divino o acertou com uma flecha a esmo!

Micaías receberá seu galardão porque não serviu a homens, mas a Deus. Às vezes, talvez quase sempre, servir a Deus possua um elemento de inconveniência: “prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2 Tm 4.2). Muitas vezes a recompensa de se fazer o que certo para Deus são bofetadas e prisões. Mas, tudo isso é muito bom! Por quê?

“Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação” (2 Co 4.17)

Essa é a lógica divina!

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