terça-feira, 16 de junho de 2009

NÃO SEJAS DEMASIADAMENTE JUSTO

"Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?" (Ec 7.16)

A santidade é um imperativo da Palavra de Deus para todo o crente no Senhor Jesus Cristo. Viver em santidade pode ser entendido como buscar um proceder justo e reto diante do Senhor, vivendo com sabedoria. Então, como compreender as palavras de Salomão em Eclesiastes 7.16, quando aconselha seus leitores a não ser demasiadamente justo e exageradamente sábio? É pecado buscar uma vida muito justa, ou o pregador se referia a outro ensino?

O propósito de Salomão era didático e estava relacionado às suas exortações finais; ele ensinou “conhecimento ao povo” nesse momento de sua vida (Ec 12.9). Segundo sua análise em Eclesiastes, o trabalho humano não pode levar o homem a sua satisfação pessoal e realização de vida (Ec 1.3; 2.11; 2.18; 2.20, 22, 23; 3.10; Ec 4.4, 8; 5.15; 6.7). O “temor do Senhor” é a chave para uma vida significante em um mundo corrompido pelo pecado[1], por isso, tanto o trabalho como a sabedoria em si, a parte do “temor do Senhor” não podem tornar a vida do homem significante[2].

Na seção de Eclesiastes 6.10-11.6, Salomão aborda a sabedoria humana como insuficiente para nutrir significado à vida. Nada pode determinar como serão os poucos dias na vida do homem, exceto o Senhor (Ec 6.10-12). A sabedoria do homem somente não pode ajudá-lo a compreender Deus e seus propósitos no relacionamento criador e criatura[3]. É necessário um render-se por completo a soberania de Deus, reconhecendo uma dependência holística do Senhor para se encontrar objetivo na existência.

Eclesiastes 7.14 indica que a vida a ser buscada deve estar centrada em Deus: “No dia da prosperidade, goza do bem; mas, no dia da adversidade, considera em que Deus fez tanto este como aquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele”. O dia da adversidade não é agradável, porém, além de permitido por Deus é útil para a edificação da fé[4]. As dificuldades nessa vida são inevitáveis, mas o Senhor as utiliza com um sentido que confere bênção aos que o temem.

O versículo 15 clarifica a adversidade na vida do justo que pode perecer na sua justiça, e na vida do perverso que prolonga seus dias na sua perversidade. Nabote foi um justo que sofreu a injustiça: “Então, vieram dois homens malignos, sentaram-se defronte dele e testemunharam contra ele, contra Nabote, perante o povo, dizendo: Nabote blasfemou contra Deus e contra o rei. E o levaram para fora da cidade e o apedrejaram, e morreu” (1 Rs 21.13). Enquanto Jezabel teve certa prosperidade quando perseguiu o profeta Elias (1 Rs 18-19.21)[5].

Baseado nesse contexto imediato entende-se que Eclesiastes 7.16 não está fazendo uma apologia ao chamado jeitinho brasileiro, mas condenando um comportamento legalista e de extrema retidão que não pode ser encontrado entre os pecadores. O versículo 20 indica essa realidade: “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque” (Ec 7.20). “Não sejas demasiadamente justo” deve ser entendido como uma ironia, como uma pessoa se auto-avalia e se apresenta. Vulgarmente falando o pregador diz que alguns estão bancando ser sábios através de uma retidão forçada, semelhante aos fariseus no Novo Testamento (Mt 23.1-7).

A sabedoria e a justiça humana sem o temor do Senhor são pura vaidade, como afirma Salomão: “Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que, pois, busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim mesmo que também isso era vaidade” (Ec 2.15); “Pois que vantagem tem o sábio sobre o tolo? Ou o pobre que sabe andar perante os vivos?” (Ec 6.8) Não há vantagem para quem vive sendo demasiadamente justo e extremamente sábio!

Um comportamento “demasiadamente justo” leva à destruição! A hipocrisia sempre é sinônimo de uma fria devoção. Talvez, por isso, muitos crentes têm uma fé tão raquítica. O conselho do Senhor, através de Salomão, é o equilíbrio, reconhecendo que o “temor do Senhor” é a garantia para o sucesso com Deus: “Bom é que retenhas isto e também daquilo não retires a mão; pois quem teme a Deus de tudo isto sai ileso” (Ec 7.18).

Uma atitude demasiadamente justa ocorre em nossas igrejas quando os irmãos “parecem” sentir prazer no fracasso e nas quedas dos outros; quando buscam ser, com intuito egocêntrico, “mais fiéis” do que o próprio Senhor Jesus Cristo. Somos exageradamente justos quando queremos levar cargas que são impossíveis de simples pecadores levarem. Devemos nos lembrar que somos pecadores iguais a todos os outros, que precisam da graça de Deus em suas vidas.

Talvez você agora esteja perguntando: como, então, viver de modo justo e sábio diante de Deus? A resposta indica a necessidade de uma vida com “autoridade espiritual”, assim como descreveu Packer em seu tratado sobre os puritanos:

Ela é um produto composto de fidelidade consciente à Bíblia, de vívida percepção da realidade e da grandiosidade de Deus, do inflexível desejo de honrar e agradar ao Senhor, de profundo auto-exame e de radical autonegação, da adoração íntima a Cristo, da compaixão generosa para com os homens e da simplicidade franca, ensinada e operada por Deus, adulta em seu conhecimento mas infantil quanto à sua sinceridade[6].

Busquemos viver com santidade, de modo justo e reto, na simplicidade, reconhecendo que somos pecadores dependentes da graça de Deus!

[1] PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento: estruturas e mensagens dos livros do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006. p. 566.
[2] ZUCK, Roy B. A biblical theology of the Old Testament. Chicago: The Moody Bible Institute, 1991. p. 245-247.
[3] PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento: estruturas e mensagens dos livros do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006. p. 573-574.
[4] HIIL, Andrew; WALTON, John. Panorama do Antigo Testamento. Tradução de Lailah de Noronha. São Paulo: Vida, 2006. p. 404-405.
[5] EATON, Michael A.; CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, p. 120-121.
[6] PACKER, J. I. Entre os gigantes de Deus: uma visão puritana da Vida Cristã. São Paulo: Fiel, 1996. p. 83.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito relevante e interessante o texto, Pr. Valney.

    Não sabia que você tinha um blog e foi muito bom conhecê-lo.

    Que você continue escrevendo em honra e defesa da palavra de Deus, de que o nosso país e a blogosfera têm estado tão carentes.

    Vou ficar seguindo e lendo na medida do possível.

    Um grande abraço.

    Avelar Jr.
    www.nao-obrigado.blogspot.com

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  3. Romário Rondinelli Nóbrega20 de maio de 2010 às 14:31

    Me senti contemplado com o comentário desse verso de Ec 7.16. Sempre pensei muito nesse verso e até hj ainda não tinha compreendido o seu significado. Acho que valeu! Obrigado!
    Romario Rondinelli Nóbrega
    www.caminhoverdadevida.com.br

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